quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Sínodo dos Jovens: Dom Jaime Spengler fala sobre sua participação e expectativa

O Sínodo dos Jovens, como ficou conhecida a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, está batendo à nossa porta. Convocado pelo Papa Francisco para realizar-se em Roma, de 04 a 25 de outubro deste ano, o encontro terá como tema central “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
Como preparação para este evento, um questionário foi respondido pela juventude de todo o mundo, com cerca de 100 mil participações entregues em 31 de dezembro do ano passado. Também um seminário sobre a situação dos jovens foi realizado em setembro de 2017 e, uma reunião pré-sinodal, em março deste ano.
Como resultado disso, em junho passado, foi lançado o Instrumento Laboris, do encontro, um documento onde os padres sinodais – como são chamados os participantes – poderão encontrar uma demonstração da variedade, esperanças e dificuldades dos cerca de 1 bilhão e 800 mil jovens, entre 16 e 29 anos, espalhados pelos cinco continentes.
Também no mês de junho, foi divulgada a lista de membros eleitos, durante a 56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para representarem o Brasil, neste sínodo.
Além do arcebispo de Brasília, cardeal dom Sérgio da Rocha, nomeado pelo Papa Francisco, como relator geral, outros 4 bispos brasileiros farão parte do encontro. Entre eles está dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, que nos recebeu para uma conversa sobre esse momento histórico para a juventude e para a Igreja. Confira:
Eaí?Tchê: Dom Jaime, para iniciarmos nossa conversa, gostaríamos que o senhor nos explicasse o que é e qual a importância deste sínodo?
Dom Jaime: Para melhor compreendermos isso, é preciso conhecermos a filologia do termo sínodo, que é a junção de dois termos gregos: sýn,(com) e, odós (pés ou pé). Então, a palavra sínodo nós poderíamos traduzir, entre aspas, como “acertar o passo” ou “caminhar de forma sintonizada”. Então, quando a Igreja propõe um sínodo, ela busca debater a questão posta e sintonizar o passo, ou seja, todos caminhando, refletindo, numa única direção. Com isso, no entanto, não se está dizendo que todos tenham que pensar da mesma forma, mas, isto sim, construir um caminho conjunto. Com esta Assembleia Sinodal, a Igreja deseja propor uma reflexão vigorosa em torno desta questão que envolve sim a juventude, mas que tem como base de sustentação a fé e o desafio do discernimento vocacional.
Eaí?Tchê: Qual é a sua expectativa para este sínodo e que contribuições o senhor pretende apresentar, a partir da sua vivência com os jovens do Rio Grande do Sul?
Dom Jaime: É a primeira vez que eu participo de um momento eclesial como este. E certamente nós percebemos no meio juvenil gaúcho, um desejo de mais vida, de maior participação, não só na vida eclesial, mas também na vida sócio-política. O nosso jovem está marcado hoje por grandes desafios, como o acesso à educação com qualidade e oportunidades de trabalho. Uma outra preocupação que existe na juventude gaúcha e brasileira é a realidade da violência e da drogadição, onde estamos perdendo uma quantidade considerável de jovens para estes propagadores de morte. Outro aspecto que oxalá possa chegar à sala sinodal, é o discernimento, não só vocacional, mas também profissional. Ou seja, como ir ao encontro de tantos que têm a angústia de qual caminho escolher para sua vida. E aqui, precisamos de pessoas gabaritadas a acompanhar adolescentes e jovens neste caminho onde muitas vezes não há segurança. Creio que estas serão algumas das discussões que haveremos de ter por lá. E já chegaram algumas indicações de Setores Juventude...
Eaí?Tchê: Quais, por exemplo?
Dom Jaime: Por exemplo, “quem sabe se nós tivéssemos, no Missal, uma Oração Eucarística, focada, sobretudo, nos jovens.” Vamos ver como podemos ajudar a fazer chegar na sala do sínodo.
Eaí?Tchê: Falando nessas indicações, cerca de 100 mil jovens responderam a um questionário, Como tratar de forma profunda e prática desses assuntos no sínodo?
Dom Jaime: A referência primordial é o Evangelho, seja nas questões de ordem econômica, moral ou doutrinal. Portanto, tudo aquilo que não corresponde à proposta do Evangelho, nós precisamos trabalhar para afastar do nosso meio. Se existem, por exemplo, escândalos dessa ou daquela ordem, deve ser feita muita coisa, para que este tipo de situação não encontre lugar no seio da comunidade de fé. Temos que reconhecer e compreender que a Igreja não é formada simplesmente por adeptos de um credo, ela se constitui, sobretudo, de discípulos e discípulas do Senhor: homens, mulheres, jovens, que buscam fazer próprios os sentimentos de Cristo Jesus. É Verdade que nos confrontamos com realidades da fragilidade humana e, quando elas acontecem, devemos agir segundo a justiça, sem esquecermos a dimensão da misericórdia. Este é o desafio de qualquer sociedade humana e, sobretudo, o grande desafio da comunidade de fé.
Eaí?Tchê: O documento preparatório para o sínodo está centrado em 3 eixos (os jovens, a fé e o discernimento vocacional). A pergunta que fazemos é como a Igreja, através do Sínodo, pretende encarar/lidar com a realidade juvenil, a chamada “geração hiper conectada”, a questão LGBT e outras que o documento cita?
Dom Jaime: Essa realidade maior, marcada pela ciência e pela tecnologia, oferece um número sem fim de oportunidades e, como evangelizadores, que somos, temos que aprender a utilizar – e utilizar bem – tantas chances que essa realidade nos oferece. É verdade também, que há muita oferta daquilo que não condiz com o que o Evangelho propõe. Existem aspectos que em nome do “politicamente correto” – que é também uma ideologia – por vezes, não se tenha suficiente coragem para debater. Esse é um aspecto. Nós temos sim, no seio da sociedade, grupos minoritários, marcados por carências e necessidade de respeito na sua dignidade. Agora, como isso vai repercutir na sala sinodal, eu não tenho condições ainda de dizer, pois o sínodo ainda vai acontecer. É muito interessante que essas temáticas complexas e desafiadoras já tenham aparecido. Elas são necessárias também no debate. Vamos precisar certamente de muito discernimento, inteligência e sabedoria, que são dons do Espírito de Deus, tendo sempre como instrumento basilar o Evangelho e a grande, bela e rica, Tradição da Igreja.
Eaí?Tchê: Um quarto da população mundial é de jovens entre 16 e 29 anos. Como a Igreja e o Sínodo pretendem manter/atrair esses jovens?
Dom Jaime: Primeiro é preciso perceber o que esse dado apresenta. Há cerca de 30 ou 40 anos atrás, um jovem de 18 anos, por exemplo, já estava, digamos, com a vida preparada. Parece que, com o desenrolar da história humana, esse perceber-se adulto, ou maduro, vai sendo adiado sempre mais. Esse é um elemento que chama a nossa atenção. Um segundo ponto é perceber que uma parcela enorme desse número se vê um pouco à margem, se não muito à margem. Olhando o processo de evangelização, o nosso empenho pastoral, parece que aquilo que estamos empregando não está dando os resultados que esperávamos e isso certamente é perceptível em muitas de nossas comunidades. Basta ver o número de “cabeças brancas e peladas”, por assim dizer, que vemos nas nossas assembleias. O Que fazer? Como agir?
Por outro lado, vemos a sociedade num corre-corre imenso no quotidiano – como numa centrífuga - com acúmulo enorme nas abordas, onde aparece o estresse, o suicídio, especialmente no meio juvenil, mutilações... e, a impressão de um vazio imenso no centro. Então, não é um fator simplesmente eclesial, o desafio tem uma abrangência muito maior.
Como ponto de partida para o debate, eu creio que seja aquilo que já dizia Paulo VI, há 40 anos atrás: “O ser humano ouve com muito mais atenção as testemunhas, que os mestres. E se houve os mestres é porque são testemunhas.” Então vem o debate com muita intensidade – e com razão – em torno do que significa ser discípulo de Jesus Cristo. O grande desafio da Igreja, hoje, talvez, seja o processo da iniciação à vida cristã. Num passado não muito distante, havia a preocupação em forjar adeptos, buscar número. Hoje nós falamos a partir de uma outra perspectiva – certamente muito mais fiel ao Evangelho – que é o discipulado. Como ir ao encontro daqueles que não estão conosco e, apresentar a proposta do Evangelho, como um caminho viável? Eis o desafio!



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